quarta-feira, 30 de junho de 2021

FESTA JUNINA!

Ontem fui ao arraial de Lajeado, fazia um tempo que não ia ver as quadrilhas dançarem nas festas juninas. O povo do norte e nordeste brasileiro gosta muito dessa festa. Quando eu era pequeno inclusive gostava de dançar no colégio, passávamos vários meses ensaiando só para apresentar para comunidade que participava do arraial na escola. Era muito divertido, além da quadrilha no colégio, também tinha a do bairro.

 

As quadrilhas tem origem na tradição camponesa de comemorar o período da colheita, por isso umas das coisas marcantes das festas juninas são a culinária, a abundancia de comida. Muita comida e bebida. Pamonha, milho assado, pé de moleque, quentão entre outras gostosuras.

 

Mas a parte melhor sem duvida eram as quadrilhas. O caminho da roça, o casamento, os figurinos simples, o chapéu de palha, as camisas quadriculadas, os vestidos de renda. O som da sanfona, do zabumba, do pandeiro e do triangulo. Tudo era muito simples, qualquer um podia participar.

 

As festas juninas era um jeito de lembrar a nossa origem camponesa, resgatar nossos costumes, celebrar nossa cultura, matar a saudade do campo. Da nossa terra de onde fomos obrigados sair para dar lugar à monocultura de soja, cana de açúcar, eucalipto, pasto pra gado ou para construção de usinas hidrelétricas.

 






Ontem fiquei olhando a festa junina aqui no Lajeado, há algum tempo não ia a uma quadrilha. Fiquei triste pelo que vi, as coisas mudaram tanto. A festa junina deixou de ser um espaço de diversão para se tornar um espaço de competição. As músicas aceleradas que nada lembra o forrozinho pé de serra. Agora se tornaram uma espécie de forró enredo.

 

O figurino todo cheio de brilho parecendo fantasias de carnaval, muitos passos foram modificados, alguns desapareceram a exemplo do bêbado e do veado, dizem que agora é quadrilha politicamente correta. Ai de nós, não é para tanto. As quadrilhas pulam alucinadamente, são tudo cronometrado, coreografado, quadrilhas enlatadas, industrializadas.

 

 

Senti saudade do meu tempo de criança, das quadrilhas no colégio, do grupo do império na baixa preta, bairro onde morava. Da diversão que era. Da animação. Quando se dançava quadrilha não para se disputar troféu ou ganhar dinheiro, mas para festejar e relembrar a nossa origem camponesa. As quadrilhas de hoje infelizmente estão mais para carnaval. Que pena, que pena. 


quarta-feira, 23 de junho de 2021

A SOMBRA - EDGAR ALAN POE!

 

  EDGAR ALAN POE - A SOMBRA.

Vós, que me ledes, estais ainda entre os vivos; mas eu, que escrevo, terei desde há muito partido para o mundo das sombras. Na verdade, estranhas coisas virão, inúmeras coisas secretas serão reveladas, e muitos séculos decorrerão antes que estas notas sejam lidas pelos homens. E quando eles as tiverem lido, uns não acreditarão, outros porão as suas dúvidas, e muito poucos de entre eles encontrarão matéria para fecundas meditações nos caracteres que eu gravo com um estilete de ferro nestas tabuinhas.

O ano havia sido um ano de terror, cheio de sensações mais intensas que o terror, sensações para as quais não há nome na Terra. Muitos prodígios, muitos sinais haviam ocorrido, e de todos os lados, em terra e no mar, se tinham amplamente estendido as asas negras da Peste. Aqueles, porém, que eram sábios, conhecedores dos desígnios das estrelas, não ignoravam que os céus prenunciavam desgraça; e, para mim (o grego Oino), como para outros, era evidente que atingíamos o fim desse septingentésimo nonagésimo quarto ano, em que, à entrada do Carneiro, o planeta Júpiter fazia a sua conjunção com o anel vermelho do terrível Saturno. O espírito particular dos céus, se não me engano muito, manifestava o seu poder não só sobre o globo físico da Terra, mas também sobre as almas, os pensamentos e as meditações da humanidade.
Uma noite, estávamos sete nos fundos de um nobre palácio, numa sombria cidade chamada Ptolemais, sentados em volta de algumas garrafas de vinho cor de púrpura de Quios. O compartimento não tinha outra entrada senão uma alta porta de bronze; e a porta havia sido moldada pelo artífice Corinos e, produto de hábil mão de obra, fechava por dentro. De igual modo, protegiam esse compartimento melancólico negras tapeçarias, que nos poupavam a visão da Lua, das estrelas lúgubres e das ruas despovoadas. Mas o sentimento e a lembrança do Flagelo não se tinham expulsado facilmente. Havia à nossa volta, junto de nós, coisas que não posso definir distintamente, coisas materiais e coisas espirituais — um peso na atmosfera, uma sensação de abafamento, uma angústia e, acima de tudo, esse terrível modo de existência que ataca as pessoas nervosas quando os sentidos estão cruelmente vivos e despertos e as faculdades do espírito entorpecidas e apáticas. Esmagava-nos um peso mortal. Estendia-se-nos pelos membros, pelo mobiliário da sala, pelos copos por onde bebíamos; e todas as coisas pareciam oprimidas e prostradas naquele abatimento — todas, exceto as chamas das sete lâmpadas de ferro que iluminavam a nossa orgia. Alongando-se em delgados fios de luz, elas assim se quedavam, ardendo pálidas e imóveis; e na mesa redonda de ébano em redor da qual nos sentávamos, e cujo brilho transformava em espelho, cada um dos convivas contemplava a palidez do próprio rosto e o brilho inquieto dos olhos tristes dos seus camaradas.
Não obstante, compeliamo-nos a rir, e estávamos alegres à nossa maneira — uma maneira histérica; e cantávamos as canções de Anacreonte, que não passam de loucura; e bebíamos à larga, muito embora a púrpura do vinho nos lembrasse a púrpura do sangue. É que no compartimento havia uma oitava personagem — o jovem Zoilo. Morto, estendido a todo o comprimento e amortalhado, era o gênio e o demônio do cenário. Ai! esse não tomava parte no nosso divertimento: apenas a sua fisionomia, convulsionada pelo mal, e os seus olhos, em que a Morte só semiextinguira o fogo da peste, pareciam tomar pela nossa alegria tanto interesse quanto os mortos são capazes de tomar pela alegria daqueles que têm de morrer. Mas embora eu, Oino, sentisse os olhos do defunto fixos em mim, a verdade é que me esforçava por não me aperceber do amargor da sua expressão, e, olhando obstinadamente para as profundezas do espelho de ébano, eu cantava em voz alta e sonora as canções do poeta de Teos. Gradualmente, porém, o meu canto cessou, e os ecos, rolando ao longe por entre as negras tapeçarias do aposento, foram enfraquecendo, indistintos, e desvaneceram-se.
Mas eis que do fundo dessas tapeçarias negras onde morria o eco da canção se ergueu uma sombra, escura, indefinida — uma sombra semelhante àquela que a Lua, quando está baixa no céu, pode desenhar com as formas de um corpo humano; mas não era a sombra nem de um homem, nem de um deus, nem de nenhum ser conhecido. E, tremendo por instantes no meio dos reposteiros, ela ficou, enfim, visível e firme, sobre a porta de bronze. Mas a sombra era vaga, sem forma, indefinida; não era a sombra nem de um homem, nem de um deus — nem de um deus da Grécia, nem de um deus da Caldeia, nem de nenhum deus egípcio. E a sombra jazia sobre a grande porta de bronze e sob a cornija em arco, sem se mexer, sem pronunciar uma palavra, fixando-se cada vez mais e acabando por ficar imóvel. E a porta em que a sombra assentava, se bem me recordo, tocava os pés do jovem Zoilo.
Nós, porém, os sete companheiros, tendo visto a sombra sair dos reposteiros, não ousávamos contemplá-la de frente; baixávamos os olhos e olhávamos sempre para as profundezas do espelho de ébano. Por fim, eu, Oino, aventurei-me a pronunciar algumas palavras em voz baixa, e perguntei à sombra a sua morada e o seu nome. E a sombra respondeu:
— Eu sou a Sombra, e a minha morada é ao lado das Catacumbas de Ptolemais, e muito perto dessas planuras: infernais que encerram o canal impuro de Caronte.

E então, todos nós, os sete, erguemo-nos horrorizados dos nossos assentos, e ali ficamos — trêmulos, arrepiados, cheios de assombro. O timbre de voz da Sombra não era o timbre da voz de um só indivíduo, mas de uma multidão de seres; e essa voz, variando as suas inflexões de sílaba para sílaba, enchia-nos confusamente os ouvidos, a imitar os timbres conhecidos e familiares de milhares de amigos desaparecidos!

 

terça-feira, 25 de maio de 2021

MEU PÉ DE LARANJA LIMA

 O livro conta a história de Zezé um menino pobre  umdea família com o pai desempregado e poucos recursos e a mãe quase sempre ausente por buscar o sustento do lar.

Zezé sofre maus tratos por parte do pai e faz seus desabafos com um amigo imaginário, um pé de laranja lima, Depois encontra um grande amigo em Portuga, alguém que o acolhe e respeita.


1 - Faça um comentário sobre o que você achou de mais importante 

na história de Zezé.

2 - Podemos comparar o que acontecia com Zezé , obra retratada nos anos 20, portanto cem anos atrás, com o que está acontecendo hoje no Brasil... Fale sobre algumas dessas semelhanças;

Se quiser , pode fazer as respostas nos  próprios comentários do blog!

terça-feira, 18 de maio de 2021

DICA DE VESTIBULAR - MACUNAÍMA

 A dica de hoje é sobre a obra “Macunaíma”, do autor Mário de Andrade, sendo um dos primeiros romances modernistas brasileiros, no qual o autor representa o multiculturalismo brasileiro, em que se misturam os mais diversos traços de nossa formação cultural; há um caráter revolucionário relacionando os aspectos formais tanto quanto os temáticos, com a linguagem dotada de neologismos e da fala popular. Escrita sob a ótica cômica, o livro é atemporal e possui estrutura inovadora. É uma obra surrealista, onde se encontram aspectos ilógicos, fantasiosos e lendas. Adota como protagonista uma personagem fantasiosa e complexa.

Macunaíma nasceu em uma tribo localizada em meio à Amazônia, na qual viveu por toda sua infância. O rapaz tinha dois irmãos, Maanape e Jiguê, sendo que Macunaíma era o mais cheio de defeitos: mentiroso, traidor, preguiçoso e adorava falar palavrões.

Quando cresceu e se tornou jovem, acabou se apaixonando por uma índia chamada Ci, a mãe do Mato, seu único amor que lhe deu um filho, mas acabou morrendo prematuro. Desiludida, Ci decide morrer e, por meio de um cipó, ela sobe aos céus, sendo transformada em uma estrela, porém, antes de partir, deixou para Macunaíma um amuleto da sorte, uma pedra de muiraquitã.
O jovem acabou perdendo esse amuleto, mas descobre que ele foi levado por Venceslau Pietro Pietra, o gigante Piaimã, que morava em São Paulo. Macunaíma e seus irmãos resolveram ir até à cidade recuperar essa pedra, mas sabiam que teriam que enfrentar o gigante, tal comedor de gente.

Ele chega a São Paulo e vivencia diversas aventuras tudo para recuperar a tal pedra. O índio consegue finalmente achar e matar o gigante recuperando a sua “preciosidade”.

Macunaíma e seus irmãos retornam à Aldeia, porém ao chegar, acabam não encontrando sua tribo. Os irmãos morrem no meio do caminho devido à vingança do herói, no qual enfrenta dias solitários até que um papagaio surge e escuta toda a sua história.

O índio resolve nadar em um lago para se refrescar e termina sendo seduzido pela mãe-d’água Iara, que o despedaça. Saindo das águas, ele consegue se colar, porém acaba não encontrando uma perna. Sem ter o que fazer na terra, sobe ao céu e vira a constelação da Ursa-Maior.

Boa leitura!

LINK PARA DOWNLOAD

https://lelivros.love/book/download-livro-macunaima-mario-de-andrade-em-epub-mobi-e-pdf/

segunda-feira, 17 de maio de 2021

O GATO PRETO - EDGAR ALAN POE

 Não espero nem peço que acreditem nesta história sumamente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não sonho. Mas amanhã posso morrer e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito. Meu propósito imediato é apresentar ao mundo, clara e sucintamente, mas sem comentários, uma série de simples acontecimentos domésticos. Devido a suas conseqüências, tais acontecimentos me aterrorizaram, torturaram e destruíram. No entanto, não tentarei esclarecê-los. Em mim, quase não produziram outra coisa senão horror – mas, em muitas pessoas, talvez lhes pareçam menos terríveis que grotescos. Talvez, mais tarde, haja alguma inteligência que reduza o meu fantasma a algo comum – uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que a minha, que perceba, nas circunstâncias a que me refiro com terror, nada mais do que uma sucessão comum de causas e efeitos muito naturais. O Gato Preto

Desde a infância, tornaram-se patentes a docilidade e o sentido humano de meu caráter. A ternura de meu coração era tão evidente, que me tornava alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava, especialmente, de animais, e meus pais me permitiam possuir grande variedade deles. Passava com eles quase todo o meu tempo, e jamais me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer ou os acariciava. Com os anos, aumentou esta peculiaridade de meu caráter e, quando me tornei adulto, fiz dela uma das minhas principais fontes de prazer. Aos que já sentiram afeto por um cão fiel e sagaz, não preciso dar-me ao trabalho de explicar a natureza ou a intensidade da satisfação que se pode ter com isso. Há algo, no amor desinteressado, e capaz de sacrifícios, de um animal, que toca diretamente o coração daqueles que tiveram ocasiões freqüentes de comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade de um simples homem.

Casei cedo, e tive a sorte de encontrar em minha mulher disposição semelhante à minha. Notando o meu amor pelos animais domésticos, não perdia a oportunidade de arranjar as espécies mais agradáveis de bichos. Tínhamos pássaros, peixes dourados, um cão, coelhos, um macaquinho e um gato.

Este último era um animal extraordinariamente grande e belo, todo negro e de espantosa sagacidade. Ao referir-se à sua inteligência, minha mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia freqüentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas. Não que ela se referisse seriamente a isso: menciono o fato apenas porque aconteceu lembrar-me disso neste momento.

Pluto – assim se chamava o gato – era o meu preferido, com o qual eu mais me distraía. Só eu o alimentava, e ele me seguia sempre pela casa. Tinha dificuldade, mesmo, em impedir que me acompanhasse pela rua.

Pluto - O grato preto de Edgar Alln Poe

Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os quais não só o meu caráter como o meu temperamento -enrubesço ao confessá-lo – sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma modificação radical para pior. Tornava-me, dia a dia, mais taciturno, mais irritadiço, mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me à minha mulher. No fim, cheguei mesmo a tratá-la com violência. Meus animais, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto a Pluto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de maltratá-lo, ao passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os coelhos, o macaco e mesmo o cão, quando, por acaso ou afeto, cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim – que outro mal pode se comparar ao álcool? – e, no fim, até Pluto, que começava agora a envelhecer e, por conseguinte, se tornara um tanto rabugento, até mesmo Pluto começou a sentir os efeitos de meu mau humor. O Gato Preto

Certa noite, ao voltar a casa, muito embriagado, de uma de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele, assustado ante a minha violência, me feriu a mão, levemente, com os dentes. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dir-se-ia que, súbito, minha alma abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pela genebra, fez vibrar todas as fibras de meu ser. Tirei do bolso um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, friamente, arranquei de sua órbita um dos olhos! Enrubesço, estremeço, abraso-me de vergonha, ao referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.

Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão – dissipados já os vapores de minha orgia noturna -, experimentei, pelo crime que praticara, um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível. Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no vinho a lembrança do que acontecera.

O Gato Preto

Entrementes, o gato se restabeleceu, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas não parecia mais sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação. Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio, sofresse com aquela evidente aversão por parte de um animal que, antes, me amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano – uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem.

Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante, mesmo quando estamos no melhor de nosso juízo, para violar aquilo que é Lei, simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final. O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira ao inofensivo animal. O Gato Preto

Uma manhã, a sangue frio, meti-lhe um nó corredio em torno do pescoço e enforquei-o no galho de uma árvore. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Enforquei-o porque sabia que ele me amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele. Enforquei-o porque sabia que estava cometendo um pecado – um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a, se é que isso era possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente misericordioso e infinitamente terrível.

O enforcamento de Pluto

Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui despertado pelo grito de “fogo!”. As cortinas de minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens terrenos foram tragados pelo fogo, e, desde então, me entreguei ao desespero.

Não pretendo estabelecer relação alguma entre causa e efeito – entre o desastre e a atrocidade por mim cometida. Mas estou descrevendo uma seqüência de fatos, e não desejo omitir nenhum dos elos dessa cadeia de acontecimentos. No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. Essa única exceção era constituída por um fino tabique interior, situado no meio da casa, junto ao qual se achava a cabeceira de minha cama. O reboco havia, aí, em grande parte, resistido à ação do fogo – coisa que atribuí ao fato de ter sido ele construído recentemente. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muita pessoas examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela. As palavras “estranho!”, “singular!”, bem como outras expressões semelhantes, despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em torno do pescoço do animal.

Logo que vi tal aparição – pois não poderia considerar aquilo como sendo outra coisa -, o assombro e terror que se me apoderaram foram extremos. Mas, finalmente, a reflexão veio em meu auxílio. O gato, lembrei-me, fora enforcado num jardim existente junto à casa. Aos gritos de alarma, o jardim fora imediatamente invadido pela multidão. Alguém deve ter retirado o animal da árvore, lançando-o, através de uma janela aberta, para dentro do meu quarto. Isso foi feito, provavelmente, com a intenção de despertar-me. A queda das outras paredes havia comprimido a vítima de minha crueldade no gesso recentemente colocado sobre a parede que permanecera de pé. A cal do muro, com as chamas e o amoníaco desprendido da carcaça produzira a imagem tal qual eu agora a via. O Gato Preto

Embora isso satisfizesse prontamente minha razão, não conseguia fazer o mesmo, de maneira completa, com minha consciência, pois o surpreendente fato que acabo de descrever não deixou de causar-me, apesar de tudo, profunda impressão. Durante meses, não pude livrar-me do fantasma do gato e, nesse espaço de tempo, nasceu em meu espírito uma espécie de sentimento que parecia remorso, embora não o fosse. Cheguei, mesmo, a lamentar a perda do animal e a procurar, nos sórdidos lugares que então freqüentava, outro bichano da mesma espécie e de aparência semelhante que pudesse substituí-lo.

The Black Cat com Bela Lugosi

Cena do filme The Black Cat, de 1934, com Bela Lugosi.

Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes barris, de genebra ou rum, que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente o alto do barril, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo. Aproximei-me e toquei-o com a mão. Era um gato preto, enorme – tão grande quanto Pluto – e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele. Pluto não tinha um único pêlo branco em todo o corpo – e o bichano que ali estava possuía uma mancha larga e branca, embora de forma indefinida, a cobrir-lhe quase toda a região do peito.

Ao acariciar-lhe o dorso, ergueu-se imediatamente, ronronando com força e esfregando-se em minha mão, como se a minha atenção lhe causasse prazer. Era, pois, o animal que eu procurava. Apressei-me em propor ao dono a sua aquisição, mas este não manifestou interesse algum pelo felino. Não o conhecia; jamais o vira antes.

Continuei a acariciá-lo e, quando me dispunha a voltar para casa, o animal demonstrou disposição de acompanhar-me. Permiti que o fizesse – detendo-me, de vez em quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar, sentiu-se imediatamente à vontade, como se pertencesse a casa, tornando-se logo, um dos bichanos preferidos de minha mulher. O Gato Preto

De minha parte, passei a sentir logo aversão por ele. Acontecia, pois, justamente o contrário do que eu esperava. Mas a verdade é que – não sei como nem por quê – seu evidente amor por mim me desgostava e aborrecia. Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no mais amargo ódio. Evitava o animal. Uma sensação de vergonha, bem como a lembrança da crueldade que praticara, impediam-me de maltratá-lo fisicamente. Durante algumas semanas, não lhe bati nem pratiquei contra ele qualquer violência; mas, aos poucos – muito gradativamente -, passei a sentir por ele inenarrável horror, fugindo, em silêncio, de sua odiosa presença, como fugisse de uma peste.

Sem dúvida, o que aumentou o meu horror pelo animal foi a descoberta, na manhã do dia seguinte ao que o levei para casa, que, como Pluto, também havia sido privado de um do olhos. Tal circunstância, porém, apenas contribuiu para que minha mulher sentisse por ele maior carinho, pois, como já disse, era dotada, em alto grau, dessa ternura de sentimentos que constituíra, em outros tempos, um de meus traços principais, bem como fonte de muitos de meus prazeres mais simples e puros.

Gato Preto, Ilustração de 1894-1895 de Aubrey Beardsley. Clique na imagem para ver o tamanho completo.

No entanto, a preferência que o animal demonstrava pela minha pessoa parecia aumentar em razão direta da aversão que sentia por ele. Seguia-me os passos com uma pertinácia que dificilmente poderia fazer com que o leitor compreendesse. Sempre que me sentava, enrodilhava-se embaixo de minha cadeira, ou me saltava ao colo, cobrindo-me com suas odiosas carícias. Se me levantava para andar, metia-se-me entre as pernas e quase me derrubava, ou então, cravando suas longas e afiadas garras em minha roupa, subia por ela até o meu peito. Nessas ocasiões, embora tivesse ímpetos de matá-lo de um golpe, abstinha-me de fazê-lo devido, em parte, à lembrança de meu crime anterior, mas, sobretudo – apresso-me a confessá-lo -, pelo pavor extremo que o animal me despertava.

Esse pavor não era exatamente um pavor de mal físico e, contudo, não saberia defini-lo de outra maneira. Quase me envergonha confessar – sim, mesmo nesta cela de criminoso -, quase me envergonha confessar que o terror e o pânico que o animal me inspirava eram aumentados por uma das mais puras fantasias que se possa imaginar. Minha mulher, mais de uma vez, me chamara a atenção para o aspecto da mancha branca a que já me referi,e que constituía a única diferença visível entre aquele estranho animal e o outro, que eu enforcara. O leitor, decerto, se lembrará de que aquele sinal, embora grande, tinha, a princípio, uma forma bastante indefinida. Mas, lentamente, de maneira quase imperceptível – que a minha imaginação, durante muito tempo, lutou por rejeitar como fantasiosa -, adquirira, por fim, uma nitidez rigorosa de contornos. Era, agora, a imagem de um objeto cuja menção me faz tremer… e, sobretudo por isso, eu o encarava como a um monstro de horror e repugnância, da qual eu, se tivesse coragem, me teria livrado. Era agora, confesso, a imagem de uma coisa odiosa, abominável: a imagem da forca! Oh, lúgubre e terrível máquina de horror e de crime, de agonia e de morte!

Na verdade, naquele momento eu era um miserável – um ser que ia além da própria miséria da humanidade. Era uma besta-fera, cujo irmão fora por mim desdenhosamente destruído… uma besta-fera que se engendrara em mim, insuportável infortúnio! Ai de mim! Nem de dia, nem de noite, conheceria jamais a bênção do descanso! Durante o dia, o animal não me deixava a sós um único momento; e, à noite, despertava de hora em hora, tomado do indescritível terror de sentir o hálito quente da coisa sobre o meu rosto, e o seu enorme peso – encarnação de um pesadelo que não podia afastar de mim – pousado eternamente sobre o meu coração!

Sob a pressão de tais tormentos, sucumbiu o pouco que restava em mim de bom. Pensamentos maus converteram-se em meus únicos companheiros – os mais sombrios e os mais perversos dos pensamentos. Minha rabugice habitual se transformou em ódio por todas as coisas e por toda a humanidade – e, enquanto eu, agora, me entregava cegamente a súbitos, freqüentes e irreprimíveis acesso de cólera, minha mulher – pobre dela! – não se queixava nunca, convertendo-se na mais paciente e sofredora das vítimas.

Um dia, acompanhou-me, para ajudar-me numa das tarefas domésticas, até o porão do velho edifício em que nossa pobreza nos obrigava a morar. O gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar escada abaixo, me exasperou a ponto de perder o juízo. Apanhando uma machadinha e esquecendo o terror pueril que até então contivera minha mão, dirigi ao animal um golpe que teria sido mortal, se atingisse o alvo. Mas minha mulher segurou-me o braço, detendo o golpe. Tomado, então, de fúria demoníaca, livrei o braço do obstáculo que o detinha e cravei-lhe a machadinha no cérebro. Minha mulher caiu morta instantaneamente, sem lançar um gemido.

Realizado o terrível assassínio, procurei, movido por súbita resolução, esconder o corpo. Sabia que não poderia retirá-lo da casa, nem de dia nem de noite, sem correr o risco de ser visto pelos vizinhos. Ocorreram-me vários planos. Pensei, por um instante, em cortar o corpo em pequenos pedaços e destruí-los por meio do fogo. Resolvi, depois, cavar uma fossa no chão da adega. Em seguida, pensei em atirá-lo ao poço do quintal. Mudei de idéia e decidi mantê-lo num caixote, como se fosse uma mercadoria, na forma habitual, fazendo com que um carregador o retirasse da casa. Finalmente, tive uma idéia que me pareceu muito mais prática: resolvi emparedá-lo na adega, como faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas.

Aquela adega se prestava muito bem para tal propósito. As paredes não haviam sido construídas com muito cuidado e, pouco antes, haviam sido cobertas, em toda a sua extensão, com um reboco que a umidade impedira de endurecer. Ademais, havia uma saliência numa das paredes, produzida por alguma chaminé ou lareira, que fora tapada para que se assemelhasse ao resto da adega. Não duvidei de que poderia facilmente retirar os tijolos naquele lugar, introduzir o corpo e recolocá-los do mesmo modo, sem que nenhum olhar pudesse descobrir nada que despertasse suspeita.

E não me enganei em meus cálculos. Por meio de uma alavanca, desloquei facilmente os tijolos e, tendo depositado ocorpo, com cuidado, de encontro à parede interior, segurei-o nesta posição, até poder recolocar, sem grande esforço, os tijolos em seu lugar, tal como estavam anteriormente. Arranjei cimento, cal e areia e, com toda a precaução possível, preparei uma argamassa que não se poderia distinguir da anterior, cobrindo com ela, escrupulosamente, a nova parede. Ao terminar, senti-me satisfeito, pois tudo correra bem. A parede não apresentava o menor sinal de ter sido rebocada. Limpei o chão com o maior cuidado e, lançando o olhar em torno, disse, de mim para comigo: “Pelo menos aqui, o meu trabalho não foi em vão”.

O passo seguinte foi procurar o animal que havia sido a causa de tão grande desgraça, pois resolvera, finalmente, matá-lo. Se, naquele momento, tivesse podido encontrá-lo, não haveria dúvida quanto à sua sorte: mas parece que o esperto animal se alarmara ante aviolência de minha cólera, e procurava não aparecer diante de mim enquanto me encontrasse naquele estado de espírito. Impossível descrever ou imaginar o profundo e abençoado alívio que me causava a ausência de tão detestável felino. Não apareceu também durante a noite – e, assim, pela primeira vez, desde sua entrada em casa, consegui dormir tranqüilo e profundamente. Sim, dormi mesmo com o peso daquele assassínio sobre a minha alma.

Transcorreram o segundo e o terceiro dia- e o meu algoz não apareceu. Pude respirar, novamente, como homem livre. O monstro, aterrorizado fugira para sempre de casa. Não tornaria a vê-lo! Minha felicidade era infinita! A culpa de minha tenebrosa ação pouco me inquietava. Foram feitas algumas investigações, mas respondi prontamente a todas as perguntas. Procedeu-se, também, a uma vistoria em minha casa, mas, naturalmente, nada podia ser descoberto. Eu considerava já como coisa certa a minha felicidade futura.

No quarto dia após o assassinato, uma caravana policial chegou, inesperadamente, a casa, e realizou, de novo, rigorosa investigação. Seguro, no entanto, de que ninguém descobriria jamais o lugar em que eu ocultara o cadáver, não experimentei a menor perturbação. Os policiais pediram-me que os acompanhasse em sua busca. Não deixaram de esquadrinhar um canto sequer da casa. Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram novamente ao porão. Não me alterei o mínimo que fosse. Meu coração batia calmamente, como o de um inocente. Andei por todo o porão, de ponta a ponta. Com os braços cruzados sobre o peito, caminhava, calmamente, de um lado para outro. A polícia estava inteiramente satisfeita e preparava-se para sair. O júbilo que me inundava o coração era forte demais para que pudesse contê-lo. Ardia de desejo de dizer uma palavra, uma única palavra, à guisa de triunfo, e também para tornar duplamente evidente a minha inocência.

– Senhores – disse, por fim, quando os policiais já subiam a escada -, é para mim motivo de grande satisfação haver desfeito qualquer suspeita. Desejo a todos os senhores ótima saúde e um pouco mais de cortesia. Diga-se de passagem, senhores, que esta é uma casa muito bem construída… (quase não sabia o que dizia, em meu insopitável desejo de falar com naturalidade) Poderia, mesmo, dizer que é uma casa excelentemente construída. Estas paredes – os senhores já se vão? -, estas paredes são de grande solidez.

Nessa altura, movido por pura e frenética fanfarronada, bati com força, com a bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede atrás da qual se achava o corpo da esposa de meu coração.

Que Deus me guarde e livre das garras de Satanás! Mal o eco das batidas mergulhou no silêncio, uma voz me respondeu do fundo da tumba, primeiro com um choro entrecortado e abafado, como os soluços de uma criança; depois, de repente, com um grito prolongado, estridente, contínuo, completamente anormal e inumano. Um uivo, um grito agudo, metade de horror, metade de triunfo, como somente poderia ter surgido do inferno, da garganta dos condenados, em sua agonia, e dos demônios exultantes com a sua condenação.

O Gato Preto

Quanto aos meus pensamentos, é loucura falar. Sentindo-me desfalecer, cambaleei até a parede oposta. Durante um instante, o grupo de policiais deteve-se na escada, imobilizado pelo terror. Decorrido um momento, doze braços vigorosos atacaram a parede, que caiu por terra. O cadáver, já em adiantado estado de decomposição, e coberto de sangue coagulado, apareceu, ereto, aos olhos dos presentes. Sobre sua cabeça, com a boca vermelha dilatada e o único olho chamejante, achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco. Eu havia emparedado o monstro dentro da tumba!

Referência Bibliográfica

Edgar AllanPoe: Histórias Extraordinárias. Tradução de Breno Silveira. São Paulo: Abril Cultural, 1981

quarta-feira, 12 de maio de 2021

DICAS DE LEITURA

 

COMÉDIAS PARA SE LER NA ESCOLA, DE LUÍS FERNANDO VERÍSSIMO

25 de September de 2015

Comédias para se Ler na Escola é uma antologia de crônicas de Luís Fernando Veríssimo organizada por Ana Maria Machado, leitora de carteirinha do autor. Ela releu durante meses textos do autor, e preparou uma seleção de crônicas capaz de despertar nos estudantes o prazer e a paixão pela leitura. O resultado pode ser conferido em Comédias para se ler na escola, uma rara e feliz combinação de talentos.

O título do livro resulta da teoria do autor de que até pessoas que não são habituadas a ler obras literárias são capazes de se deliciar com elas. A obra, porém, é ideal para ser lida não só na escola, mas onde quer que se esteja, e para aqueles momentos em que se deseja ter um pouco de descontração.

Em seu sensível texto de abertura, Ana Maria Machado observa: “Depois de ler este livro, duvido que algum jovem ainda seja capaz de dizer, sinceramente, que não curte ler. E, para não ficar achando que só gosta deste livro, que leia os outros do autor. Aposto que, em sua maioria, os novos leitores vão se viciar em livro e sair procurando outros textos, de outros autores. Com vontade de, um dia, chegar a escrever assim. Quem sabe? O Veríssimo nunca pensou que ia ser escritor quando crescesse. Seu negócio era mesmo um bom solo de saxofone, instrumento em que ainda arrasa, escondido. Mas com essa história de ser músico, desenvolveu tanto o ouvido que acabou assim: hoje ele ouve (e conta pra nós) até o que pensamos, sentimos e sonhamos em silêncio. Em qualquer idade.”

A coletânea de crônicas reúne 35 narrativas curtas trazendo o universo das histórias e personagens de Veríssimo. Dessa vez, o autor aparece sentado num banco escolar, arremessando um aviãozinho de papel.

No livro Comédias para se ler na escola, podemos encontrar alguns exemplos de um trabalho que ora se debruça sobre a gramática da língua ora se esgueira pelos labirintos do discurso. Através de jogos lingüísticos e da ironia do autor, a vida surge esplendorosa diante de um leitor que se identifica com as idéias do escritor e que aguarda ansioso a oportunidade de ler novas crônicas.


Fonte: https://www.passeiweb.com/estudos/livros/comedias_para_se_ler_na_escola/

segunda-feira, 8 de março de 2021

CRÔNICA - A PÁSCOA

 PÁSCOA


(texto de Luis Fernando Veríssimo)

- Papai, o que é Páscoa?

- Ora, Páscoa é... Bem...é uma festa religiosa!

- Igual ao Natal?

-É parecido. Só que no Natal comemora-se o nascimento de Jesus, e na Páscoa, se não me engano, comemora-se a sua ressurreição.

- Ressurreição?

-É, ressurreição.

-Martaaaaa , vem cá !

- Sim?

- Explica para esse garoto o que é ressurreição para eu poder ler o meu Jornal.

- Bom, meu filho, ressurreição é tornar a viver após ter morrido. Foi o que aconteceu com Jesus, três dias depois de ter sido crucificado.

Ele Ressuscitou e subiu aos céus. Entendeu ?

- Mais ou menos...

-Mamãe, Jesus era um coelho?

- O que é isso menino? Não me fale uma bobagem dessas! Coelho!

- Jesus Cristo é o Papai do Céu! Nem parece que esse menino foi batizado!

-Jorgeeeeeee, esse menino não pode crescer desse jeito, sem ir numa missa pelo menos aos domingos.

Até parece que não lhe demos uma educação cristã!...

Já pensou se ele solta uma besteira dessas na escola?

Deus que me perdoe! Amanhã mesmo vou matricular esse moleque no catecismo!

- Mamãe, mas o Papai do Céu não é Deus?

-É filho, Jesus e Deus são a mesma coisa. Você vai estudar isso no Catecismo. É a Trindade. Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.

- O Espírito Santo também é Deus?

-É sim.

- E Minas Gerais?

- Sacrilégio!!!

-É por isso que a ilha de Trindade fica perto do Espírito Santo?

- Não é o Estado do Espírito Santo que compõe a Trindade, meu filho, é o Espírito Santo de Deus. É um negócio meio complicado, nem a mamãe entende direito.

Mas se você perguntar no catecismo a professora explica tudinho!

- Bom, se Jesus não é um coelho, quem é o coelho da Páscoa?

- Eu sei lá! É uma tradição. É igual a Papai Noel, só que ao invés de presente ele traz ovinhos.

- Coelho bota ovo?

- Chega! Deixa eu ir fazer o almoço que eu ganho mais!

- Papai, não era melhor que fosse galinha da Páscoa?

- Era... Era melhor, Sim... Ou então urubu.

- Papai, Jesus nasceu no dia 25 de dezembro, né?

- Que dia ele morreu?

- Isso eu sei: na Sexta-feira Santa.

- Que dia e que mês?

- (???) Sabe que eu nunca pensei nisso? Eu só aprendi que ele morreu na Sexta-feira Santa e ressuscitou três dias depois, no Sábado de Aleluia.

- Um dia depois!

- Não, três dias depois.

- Então morreu na Quarta-feira.

- Não, morreu na Sexta-feira Santa... Ou terá sido na Quarta-feira de cinzas?

- Ah, garoto, vê se não me confunde ! Morreu na Sexta mesmo e ressuscitou no sábado, três dias depois!

Como? Pergunte à sua professora de catecismo!

- Papai, porque amarraram um Monte de bonecos de pano lá na rua?

-É que hoje é Sábado de Aleluia, e o pessoal vai fazer a malhação do Judas.

Judas foi o apóstolo que traiu Jesus.

- O Judas traiu Jesus no Sábado?

- Claro que não! Se Jesus morreu na Sexta!!!

- Então por que eles não malham o Judas no dia certo?

- Uiiii...

- Papai, qual era o sobrenome de Jesus?

- Cristo. Jesus Cristo.

- Só?

- Que eu saiba Sim, por quê?

- Não sei não, mas tenho um palpite de que o nome dele era Jesus Cristo Coelho. Só assim esse negócio de coelho da Páscoa faz sentido, não acha?

- Ai, coitada!

- Coitada de quem?

- Da sua professora de catecismo!

Luiz Fernando Veríssimo.



OBS. O simbolismo da páscoa está intimamente ligado ao paganismo e as tradições esotéricas, o hábito de se presentear com Ovos é derivado de uma divindade feminina da fertilidade, cuja qual representava o inicio da primavera no hemisfério Norte, portanto é um dos Sabaths. O coelho também é derivado desse simbolismo, já que reza a lenda que é o primeiro animal a vermos logo no inicio da primavera, além de se reproduzir muito rapidamente (reforçando a representação da fertilidade da primavera). O fato da data ser sempre comemorada em um domingo, está relacionado ao retorno (ou ressurreição) do Sol, que estava “adormecido” no inverno, lembrando que domingo é o dia consagrado ao Astro rei em diversas culturas (Sunday do inglês, Sonntag do Alemão e dia do senhor no Latim Dominicus. Muito provavelmente esse mito tenha sido incorporado pela igreja Romana, junto a crença na ressurreição do seu salvador Judeu.

FESTA JUNINA!

Ontem fui ao arraial de Lajeado, fazia um tempo que não ia ver as quadrilhas dançarem nas festas juninas. O povo do norte e nordeste brasile...